“Eis a tua mãe” (2ª parte).
No comentário anterior (“Eis a tua mãe- 1ª parte) situamos ação que vai se desenrolar numa festa de bodas em Caná da Galiléia. Vamos agora aprofundar a parte da ação propriamente dita: a transformação da água em vinho.
1.5 A mãe de Jesus nota que há uma situação delicada entre os anfitriões da festa. Ela constata: “eles não tem mais vinho”. Já tiveram, mas não tem mais. O vinho é uma bebida de festa, ele, como diz o Salmista: “regozija o coração do homem... (e da mulher também!)” (Salmo 104, 14-15). Mas o vinho é também um símbolo muito presente nas Sagradas Escrituras. Ele é o símbolo do Espírito Santo, dos tempos messiânicos e até da Palavra de Deus e de sua Sabedoria como podemos ler em livro dos Provérbios 9, 4-6.
O profeta Isaías sonha (utopia) com uma era messiânica farta. “O Senhor Javé prepara para todos os Povos, sobre esta montanha, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos finos, de carnes suculentas, de vinhos depurados” (Isaías 25, 6).
O vinho que dá Sabedoria é a Lei de Deus (sua Palavra), é a Torá pela qual ensina ao seu povo o caminho da felicidade (Deuteronômio 30, 15). Infelizmente perderam o sentido salvífico e de bem que trazia a Lei de Deus. Nós sabemos que a Lei de Deus, na época de Jesus, se tornou mero legalismo explicitado em 613 preceitos muito difíceis de praticar. Somente os Fariseus tentavam viver segundo esta regra de vida e por isso viviam separados dos outros com medo de tornarem-se impuros (não observadores de todas as regras) de lá vem o seu nome: Fariseus=Separados. A mãe de Jesus expressa na sua constatação a situação que muitos notavam. Mais adiante voltaremos a esta situação presente em outros elementos deste texto.
1.6 “O que temos a ver com isso, minha hora ainda não chegou”. Será um fim de não receber por parte de Jesus? Mas ele vai mais tarde oferecer o melhor vinho. Se o problema é falta de vinho para a festa, isso não nos compete responde Jesus. Agora o vinho, nova Lei, nova Torá, a hora dela ainda não chegou. Encontramos aqui um procedimento escriturário muito querido por João: as palavras possuem dois sentidos, um real e bem concreto e outro de nível simbólico, expressando outra realidade. Por exemplo, a água: a samaritana pensa na água do poço que todos os dias ela deve vir buscar, Jesus lhe fala de outra água que é a Palavra de Deus. Ou ainda o nascimento no qual Jesus conversa com Nicodemos, ou ainda o pão distribuído no deserto, símbolo de um pão muito mais importante, pois dá a vida plena e para sempre. Jesus não está preocupado com o vinho da festa humana, e sim com o vinho que ele vai dar pelo mistério de sua Paixão, Morte e Ressurreição, mas somente quando chegar a hora.
Esta hora é bem a hora da Glorificação como a descreve João, hora da Paixão, Morte e Ressurreição. Basta reler uns textos de João para se convencer de tal afirmação. “Antes de festa da páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste para o Pai...” (João 13, 1). “Pai chegou a hora: glorifica o teu Filho, para que teu Filho te glorifique” (João 17, 1).
1.7 “Façam tudo...” A mãe de Jesus entendeu muito bem o recado! Seu convite aos serventes da festa não é um simples convite em executar materialmente o que Jesus vai poder exigir deles. Ela os convida a entrar na economia de uma nova Aliança. De fato as palavras atribuídas á mãe de Jesus são as palavras pelas quais o Povo de Israel, ao pé do Monte Sinai, respondeu ao convite de Deus por Moisés, de selar uma aliança entre Deus e o Povo. À Moisés que em nome de Deus fez o convite para uma aliança, o Povo respondeu: “Tudo o que o Senhor Javé disse, nós o faremos” (Êxodo 19, 8).
A mãe de Jesus entendeu tão bem o significado da resposta do seu Filho, que ela mesma estará, quando chegar a hora, no pé da cruz. Mas isso fica para um aprofundamento ulterior. Num próximo artigo daremos prosseguimento á este nosso estudo de João 2, 1 a 12.
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