Eis a tua mãe (3ª parte)
Em Caná da Galiléia, numa festa de bodas, Jesus está presente entre os convidados assim como a sua mãe. Diante da falta de vinho, a mãe de Jesus intervém junto ao seu Filho. Mas estamos diante de um diálogo de dois níveis: ao nível pragmático trata-se de vinho para a alegria dos convidados, ao nível mais profundo trata-se de um anúncio da Nova Aliança que vem chegando com a presença de Jesus. Assim interpretamos o convite da mãe de Jesus de “fazer tudo o que Ele disser”.
Vamos continuar o nosso aprofundamento do texto a partir do capítulo 2, versículo 6.
1.8 Os jarros: tem lá seis (6) jarros muito grandes, pois João nos especifica que podem conter até três medidas, ou seja, 40 litros cada um. Mas o que interessa aqui é que são seis. Ora sabemos que na simbólica dos números na linguagem bíblica 6 é o número da imperfeição. Com o peso que elas têm, pois são de pedra, não deve ser fácil manejá-las. Elas devem permanecer onde estão, ficam numa posição estática. Mas a pedra nos lembra também o que o Profeta Ezequiel dizia dos Israelitas: “Dar-vos-ei um coração novo, porei no vosso íntimo um espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne” (Ezequiel 36, 26). Os jarros estão vazios.
Estes jarros de pedra serviam para as purificações dos Judeus. Nós sabemos quanto os Judeus, de modo especial os Fariseus, cuidavam destas purificações para se manter irrepreensíveis segundo a Lei. Esta Lei que foi dada para a vida, tornou-se um instrumento de legalismo, incapaz de trazer vida e alegria ao povo. O que foi proposto no Sinai como um projeto de vida e de vida plena foi transformado numa religião dura, estática, vazia, externa, de aparências como condenará Jesus. Os jarros representam a religião judia na época de Jesus.
1.9 Agora vem a transformação trazida por Jesus, a Nova Aliança, o novo relacionamento entre Deus a Humanidade, e das pessoas entre si. Jesus manda encher os jarros. Os empregados enchem até a borda: dos jarros vai de novo jorrar a vida, e a vida em plenitude: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em plenitude” (João 10, 10). Esta água que era para purificar se transforma em vinho que traz alegria, que traz um espírito novo (Ezequiel). Será do coração de Jesus aberto pela lança que jorrarão água e sangue quando será selada a Nova Aliança. Este vinho é o melhor que foi guardado até o fim, para quando chegaria “a plenitude dos tempos”. Os tempos do Messias chegaram, o Reino de Deus se abre (“os céus se abriram de novo”).
1.10 Tudo isso nos diz São João é um sinal (o primeiro dos sete que ele quis nos descrever João 20, 30). Não é um milagre e sim um sinal. Todo sinal tem um significado. O importante não é o maravilhoso que pode ser transformar água em vinho, o maravilhoso é que com Jesus de Nazaré Deus manifestou a sua glória. Estas duas palavras sinal e glória nos remetem diretamente ao livro do Êxodo: “para que eu faça os meus sinais no meio dos egípcios, e para que narres ao teu filho e ao filho do teu filho como zombei dos egípcios e quantos sinais fiz no meio deles, para que saibais que eu sou Javé” (Êxodo 10, 1-2; também 7, 3). Javé manifesta a sua presença através de sua ação: ele liberta, este será o sinal que verdadeiramente Ele É (Êxodo 3, 14-15).
A Glória de Javé é a sua própria existência, o seu ser. Portanto manifestar que ele é Javé é manifestar a sua Glória, é a manifestação do seu ser e de sua ação libertadora
O sinal das bodas de Caná revela a presença de Deus em Jesus de Nazaré. Mas é somente, por enquanto, um sinal. Quando chegar a hora a Glória de Deus se manifestará plenamente: “Deus será glorificado e o seu Enviado, Jesus Cristo será também glorificado” (João 17, 1). Por isso os intérpretes do evangelho segundo João falam do livro da “Glorificação” quando se referem ao livro da Paixão, Morte e Ressurreição. “Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que EU SOU” (João 8, 28). Os discípulos souberam ler o sinal e reconheceram a presença de Deus em Jesus e “creram nele”.
1.11 Mensagem do texto: Jesus se manifesta como a presença libertadora de Deus. Ele vem para selar uma Nova e definitiva Aliança na hora da sua Glorificação, na hora do seu mistério pascal. A mãe dele nos convida a entrar neste movimento de transformação, de fazer a nossa páscoa, passagem do ritualismo e legalismo para a vida e vida em plenitude. É um apelo para nós ainda hoje nos libertar de todas as regras que nos prendem, nos aprisionam e não nos permitem viver plenamente na alegria do Espírito que liberta. “O Senhor é o Espírito, e onde se acha o Espírito do Senhor aí está a LIBERDADE” (2ª aos Coríntios 3, 17). Jesus, o Enviado do Pai, presença libertadora de Deus no meio de nós, nos leva para uma páscoa de libertação como numa festa de bodas no meio da alegria e da abundância.
No nosso próximo artigo abordaremos o segundo texto do evangelho segundo São João, apresentando a mãe de Jesus ao pé da cruz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário