quarta-feira, 20 de outubro de 2010

“Eis a tua mãe...”

A mãe de Jesus no Evangelho segundo São João.

Por: Francisco Rubeaux

No livro do Evangelho segundo São João, ou como costumamos dizer segundo as comunidades de João, encontramos somente dois textos que se referem à mãe de Jesus: João 2, 1-12 e 19, 25-27. É bom notar logo de entrada que nunca a mãe de Jesus é identificada como Maria e sim como Mulher. Vermos o motivo desta identificação.

É importante perceber que os dois textos se correspondem e formam assim uma inclusão literária, ou seja, a mãe de Jesus está no início de sua vida pública (missão do anúncio do Reino) e no fim quando tudo se realiza. O significado de uma inclusão é de chamar atenção do leitor para lhe dizer: a mãe de Jesus está em toda a sua caminhada missionária.

Vamos tentar analisar cada texto no seu próprio conteúdo e depois tentar uma síntese.

1. As bodas de Caná: João 2, 1-12.

O primeiro versículo deste segundo capítulo de João nos desenha logo o quadro do episódio: o tempo, o lugar, o acontecimento e a personagem central.

1.1 Três dias depois da chamada dos primeiros discípulos, Jesus com os seus apóstolos é convidado para uma festa de casamento em Caná da Galiléia. Assim se define o quadro de tempo e de lugar. “Três dias depois” alude ao dia da Ressurreição. Teremos, portanto, que ler e interpretar este texto à luz pascal. João nos descreve o início da missão de Jesus numa semana, seguindo cada passo a cada dia (João 1, 29. 35. 43). Com os três dias de Caná totaliza oito dias, ou seja, uma semana mais um dia. Este último dia é o oitavo, mas também o primeiro de uma nova semana. João iniciou o seu livro com o Prólogo que assim começa: “No princípio...” remetendo às primeiras palavras do livro de Gênesis. Com a pregação do Evangelho que começa, não por palavras e sim por um sinal, João anuncia uma nova semana, uma nova Criação. Quando chegar a hora, esta nova Criação começará no primeiro dia da semana (João 20, 1). Caná será somente um sinal de que vai chegando o tempo da Nova Criação, tempo Messiânicos.

1.2 O ministério de Jesus começa na Galiléia. Nós sabemos o que representa esta terra. É a província definida com “terra dos gentios= pagãos). De fato geograficamente a Galiléia é cercada por países não judeus: Siro-Fenícia, Traconitide, Decápole, Samaria. É nesta terra, impura, que pela primeira vez Deus, em Jesus de Nazaré, vai manifestar a sua Gloria, que é a sua Presença (João 1, 51 e 2, 11). Assim é claro que a manifestação da Glória e conseqüentemente a Salvação é universal. De Sião se espalhará por todas as Nações (Isaías 60, 1 e 3).

1.3 Foi numa festa de casamento. O casamento tanto no Primeiro Testamento como no Segundo é um símbolo forte da Aliança de Deus com o seu Povo. A imagem do casamento sustenta o amor de Deus com a sua Comunidade, às vezes simbolizada pela própria capital: Jerusalém. Assim podemos reler Isaías 62, 5 ou Oséias 2. Paulo, na sua carta aos Efésios, fará do casamento o símbolo do amor de Cristo pela sua Igreja: “Este símbolo é magnífico, e eu o aplico a Cristo e à Igreja. Cristo amou a Igreja e se entregou por ele” (Efésios 5, 32-33). Veremos como os outros símbolos do casamento como a alegria, o vinho, o mestre sala têm também significação neste texto.

1.4 “A mãe de Jesus estava lá”. Ele é a mãe do noivo; “como a coroa que lhe cingiu sua mãe, no dia do seu casamento, dia de festa do seu coração” (Cântico dos C. 3, 11). Esta presença marcante será de novo lembrada no pé da cruz de Jesus: “Junto à cruz de Jesus estava a sua mãe” (João 19, 25). A mãe de Jesus está no início e no fim da trajetória missionária de Jesus, ela presencia a sinal e a realização do casamento de Deus com o seu Povo, a Nova e definitiva Aliança pela qual deus manifestou em Jesus de Nazaré todo o seu amor: “Deus amo=u tanto o mundo que lhe enviou o seu filho único” (João 3, 16).

Mas em Caná da Galiléia a “hora ainda não chegou”, então é somente dado um sinal. A Glória de Deus, a sua Presença, se deu a ver, mas de modo limitado, até que venha a hora em que todos poderão ver e contemplar aquele que foi transpassado (João 19, 37) e reconhecer nele Aquele que vem para salvar (João 8, 27).

Daremos continuidade a esta nossa meditação das Bodas de Caná num próximo artigo. Mas, creio, que só este pequeno estudo já nos dá o valor imenso e a profundidade da mensagem joanina. É também um convite para nós relermos o texto e nós mesmos descobrirmos outras riquezas contidas nesse episódio narrado por João. O texto é fruto de uma constante contemplação da palavra, uma constante releitura feita pelas comunidades. É toda uma geração de irmãs e irmãos na fé que nos fazem assim comungar à sua vida de crentes. A nós também descobrir outras riquezas escondidas que poderão alimentar a nossa fé e vivificar a nossa vida.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A missão nasce no seio de uma comunidade...

Por: Francisco Rubeaux, omi.

Havia em Antioquia, na Igreja local...”

O mês de outubro é tradicionalmente, na Igreja Católica, dedicado às Missões: orar refletir, comprometer-se com a Missão que é a essência da vida de todo batizado e batizada: “Como o Pai me enviou, Eu também lhes envio” (João 20, 21).

Por isso a vocação à missão envolve toda a comunidade. É interessante notar que este mês das missões começa com a celebração da festa de Santa Terezinha do Menino Jesus. Ela é a padroeira das missões como dos missionários e das missionárias.

Nós não podemos deixar de evocar neste mês também a presença maternal de Maria. Ela é a primeira missionária ao levar o filho gerado nela por obra do Espírito Santo até as montanhas de Judá: “Maria pôs-se a caminho para a região montanhosa, dirigindo-se apressadamente a uma cidade de Judá” (Lucas 1, 39) Ora neste mês celebramos a festa de N.S. do Rosário, N.S. Aparecida, N.S de Nazaré Que nossa Mãe querida nos abençoe e nos dê do seu vigor missionário para nos por a caminho apressadamente, levando a Boa Nova de Jesus.

A missão sempre se origina no seio de uma comunidade, nenhum missionário é franco atirador, e sim enviado por alguém ou por um grupo.

A missão sai, em primeiro lugar, do seio da Santíssima Trindade, a maior e a melhor Comunidade. É uma decisão comum de enviar alguém, como lembra o livro do Profeta Isaías: “Quem hei de enviar? Quem irá por nós?” (Isaías 6, 8). Jesus, a Palavra encarnada, veio de junto do Pai (João 1, 1) e volta ao seu ponto de partida (João 13, 1). É como a chuva ou a neve: cai do céu, rega a terra e volta para o céu em forma de nuvem, também a Palavra é assim (Isaías 55, 10-11) epodemos acrescentar a Missão também.

É no seio da comunidade que nasce a missão (Atos 13, 1) e a esta comunidade os discípulos voltarão quando terminar sua missão (Atos 14, 27-28). A comunidade está toda envolvida com a missão dos discípulos, não é uma realização pessoal, mesmo que se trate de uma vocação pessoal. A comunidade sente a necessidade de difundir a Boa Nova e por isso envia missionários. Encontramos o mesmo exemplo em Corinto, com a pessoa de Apolo, desejoso de entregar-se à missão, foi encorajado e enviado pela comunidade (Atos 18, 24-28). A partida da segunda viagem de Paulo se dá da mesma maneira: “Paulo por sua vez escolheu Silas, e partiu, recomendado pelos irmãos à graça do Senhor” (Atos 15,40). Timóteo será escolhido e apresentado a Paulo pela sua comunidade de Listra: “Os irmãos de Listra e Icônio davam bom testemunho de Timóteo. Paulo quis então que Timóteo partisse com ele.” (Atos 16, 1-3). O gesto de participação, de comunhão, é a imposição das mãos (Atos 13, 3).

Todas as viagens missionárias narradas no livro dos Atos têm o mesmo esquema: saem de uma comunidade para voltar à mesma no fim da missão. Cria-se assim um laço de comunhão não somente entre a comunidade e os que ela enviou, mas também entre a comunidade e as novas comunidades fundadas pela ação dos missionários. Essa comunhão entre as comunidades ou Igrejas locais é que dá o sentido profundo daquilo que é a Igreja Católica, espalhada por toda a terra habitada. Cada comunidade é igreja de Jesus, mas todas juntas formam a Igreja Católica, ou seja a Igreja do e no mundo inteiro.

Se a missão origina-se numa comunidade, da mesma forma a missão realiza-se de maneira comunitária. Não precisa insistir no caráter trinitário da missão de Jesus.Mas ao começar a sua missão pública Ele quis, em primeiro lugar, reunir uma equipe. O interessante é que os quatro evangelistas são unânimes a narrar logo antes do início da missão de Jesus, a sua escolha dos primeiros discípulos (Mateus 4, 18-22; Marcos 1, 16-20; João 1, 35-51).

Os Apóstolos também foram enviados dois a dois (Lucas 10,1) e voltaram junto de Jesus para contar o que aconteceu (Lucas 10,17).

Em Antioquia são dois os que foram escolhidos para levar a frente o anúncio da Palavra. Eles vão ainda levar consigo João Marcos. Quando Paulo vai se separar de Barnabé, os dois vão formar novas equipes: Barnabé com João Marcos e Paulo com Silas (Atos 15, 39-40). Em Corinto, Paulo formará equipe com um casal: Áquila e Priscila. Ele terá também como companheiros Timóteo e Silas. Podemos reler o capítulo 16 da carta aos Romanos para perceber quantos companheiros de evangelização trabalharam com Paulo, homens e mulheres (Romanos 16, 1-15 e 21).

A missão sai da comunidade e para lá volta depois de haver suscitado outras comunidades. Percebemos aqui o laço forte que existe entre missiologia e eclesiologia.

Para assumir a missão temos que estar preparado a dizer “Nós”.

Vamos refletir na nossa vocação missionária nos perguntando: qual é a minha comunidade? Como me sinto enviado por ela para a Missão? Como procuro dar retorno da missão a essa comunidade? E nossa comunidade missionária dá espaço para seus membros planejar juntos a missão e relatar como foi realizada?