A mãe de Jesus no Evangelho segundo São João.
Por: Francisco Rubeaux
No livro do Evangelho segundo São João, ou como costumamos dizer segundo as comunidades de João, encontramos somente dois textos que se referem à mãe de Jesus: João 2, 1-12 e 19, 25-27. É bom notar logo de entrada que nunca a mãe de Jesus é identificada como Maria e sim como Mulher. Vermos o motivo desta identificação.
É importante perceber que os dois textos se correspondem e formam assim uma inclusão literária, ou seja, a mãe de Jesus está no início de sua vida pública (missão do anúncio do Reino) e no fim quando tudo se realiza. O significado de uma inclusão é de chamar atenção do leitor para lhe dizer: a mãe de Jesus está em toda a sua caminhada missionária.
Vamos tentar analisar cada texto no seu próprio conteúdo e depois tentar uma síntese.
1. As bodas de Caná: João 2, 1-12.
O primeiro versículo deste segundo capítulo de João nos desenha logo o quadro do episódio: o tempo, o lugar, o acontecimento e a personagem central.
1.1 Três dias depois da chamada dos primeiros discípulos, Jesus com os seus apóstolos é convidado para uma festa de casamento em Caná da Galiléia. Assim se define o quadro de tempo e de lugar. “Três dias depois” alude ao dia da Ressurreição. Teremos, portanto, que ler e interpretar este texto à luz pascal. João nos descreve o início da missão de Jesus numa semana, seguindo cada passo a cada dia (João 1, 29. 35. 43). Com os três dias de Caná totaliza oito dias, ou seja, uma semana mais um dia. Este último dia é o oitavo, mas também o primeiro de uma nova semana. João iniciou o seu livro com o Prólogo que assim começa: “No princípio...” remetendo às primeiras palavras do livro de Gênesis. Com a pregação do Evangelho que começa, não por palavras e sim por um sinal, João anuncia uma nova semana, uma nova Criação. Quando chegar a hora, esta nova Criação começará no primeiro dia da semana (João 20, 1). Caná será somente um sinal de que vai chegando o tempo da Nova Criação, tempo Messiânicos.
1.2 O ministério de Jesus começa na Galiléia. Nós sabemos o que representa esta terra. É a província definida com “terra dos gentios= pagãos). De fato geograficamente a Galiléia é cercada por países não judeus: Siro-Fenícia, Traconitide, Decápole, Samaria. É nesta terra, impura, que pela primeira vez Deus, em Jesus de Nazaré, vai manifestar a sua Gloria, que é a sua Presença (João 1, 51 e 2, 11). Assim é claro que a manifestação da Glória e conseqüentemente a Salvação é universal. De Sião se espalhará por todas as Nações (Isaías 60, 1 e 3).
1.3 Foi numa festa de casamento. O casamento tanto no Primeiro Testamento como no Segundo é um símbolo forte da Aliança de Deus com o seu Povo. A imagem do casamento sustenta o amor de Deus com a sua Comunidade, às vezes simbolizada pela própria capital: Jerusalém. Assim podemos reler Isaías 62, 5 ou Oséias 2. Paulo, na sua carta aos Efésios, fará do casamento o símbolo do amor de Cristo pela sua Igreja: “Este símbolo é magnífico, e eu o aplico a Cristo e à Igreja. Cristo amou a Igreja e se entregou por ele” (Efésios 5, 32-33). Veremos como os outros símbolos do casamento como a alegria, o vinho, o mestre sala têm também significação neste texto.
1.4 “A mãe de Jesus estava lá”. Ele é a mãe do noivo; “como a coroa que lhe cingiu sua mãe, no dia do seu casamento, dia de festa do seu coração” (Cântico dos C. 3, 11). Esta presença marcante será de novo lembrada no pé da cruz de Jesus: “Junto à cruz de Jesus estava a sua mãe” (João 19, 25). A mãe de Jesus está no início e no fim da trajetória missionária de Jesus, ela presencia a sinal e a realização do casamento de Deus com o seu Povo, a Nova e definitiva Aliança pela qual deus manifestou em Jesus de Nazaré todo o seu amor: “Deus amo=u tanto o mundo que lhe enviou o seu filho único” (João 3, 16).
Mas em Caná da Galiléia a “hora ainda não chegou”, então é somente dado um sinal. A Glória de Deus, a sua Presença, se deu a ver, mas de modo limitado, até que venha a hora em que todos poderão ver e contemplar aquele que foi transpassado (João 19, 37) e reconhecer nele Aquele que vem para salvar (João 8, 27).
Daremos continuidade a esta nossa meditação das Bodas de Caná num próximo artigo. Mas, creio, que só este pequeno estudo já nos dá o valor imenso e a profundidade da mensagem joanina. É também um convite para nós relermos o texto e nós mesmos descobrirmos outras riquezas contidas nesse episódio narrado por João. O texto é fruto de uma constante contemplação da palavra, uma constante releitura feita pelas comunidades. É toda uma geração de irmãs e irmãos na fé que nos fazem assim comungar à sua vida de crentes. A nós também descobrir outras riquezas escondidas que poderão alimentar a nossa fé e vivificar a nossa vida.
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