sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

EIS A TUA MÃE 3

Eis a tua mãe (3ª parte)

Em Caná da Galiléia, numa festa de bodas, Jesus está presente entre os convidados assim como a sua mãe. Diante da falta de vinho, a mãe de Jesus intervém junto ao seu Filho. Mas estamos diante de um diálogo de dois níveis: ao nível pragmático trata-se de vinho para a alegria dos convidados, ao nível mais profundo trata-se de um anúncio da Nova Aliança que vem chegando com a presença de Jesus. Assim interpretamos o convite da mãe de Jesus de “fazer tudo o que Ele disser”.
Vamos continuar o nosso aprofundamento do texto a partir do capítulo 2, versículo 6.

1.8 Os jarros: tem lá seis (6) jarros muito grandes, pois João nos especifica que podem conter até três medidas, ou seja, 40 litros cada um. Mas o que interessa aqui é que são seis. Ora sabemos que na simbólica dos números na linguagem bíblica 6 é o número da imperfeição. Com o peso que elas têm, pois são de pedra, não deve ser fácil manejá-las. Elas devem permanecer onde estão, ficam numa posição estática. Mas a pedra nos lembra também o que o Profeta Ezequiel dizia dos Israelitas: “Dar-vos-ei um coração novo, porei no vosso íntimo um espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne” (Ezequiel 36, 26). Os jarros estão vazios.
Estes jarros de pedra serviam para as purificações dos Judeus. Nós sabemos quanto os Judeus, de modo especial os Fariseus, cuidavam destas purificações para se manter irrepreensíveis segundo a Lei. Esta Lei que foi dada para a vida, tornou-se um instrumento de legalismo, incapaz de trazer vida e alegria ao povo. O que foi proposto no Sinai como um projeto de vida e de vida plena foi transformado numa religião dura, estática, vazia, externa, de aparências como condenará Jesus. Os jarros representam a religião judia na época de Jesus.

1.9 Agora vem a transformação trazida por Jesus, a Nova Aliança, o novo relacionamento entre Deus a Humanidade, e das pessoas entre si. Jesus manda encher os jarros. Os empregados enchem até a borda: dos jarros vai de novo jorrar a vida, e a vida em plenitude: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em plenitude” (João 10, 10). Esta água que era para purificar se transforma em vinho que traz alegria, que traz um espírito novo (Ezequiel). Será do coração de Jesus aberto pela lança que jorrarão água e sangue quando será selada a Nova Aliança. Este vinho é o melhor que foi guardado até o fim, para quando chegaria “a plenitude dos tempos”. Os tempos do Messias chegaram, o Reino de Deus se abre (“os céus se abriram de novo”).

1.10 Tudo isso nos diz São João é um sinal (o primeiro dos sete que ele quis nos descrever João 20, 30). Não é um milagre e sim um sinal. Todo sinal tem um significado. O importante não é o maravilhoso que pode ser transformar água em vinho, o maravilhoso é que com Jesus de Nazaré Deus manifestou a sua glória. Estas duas palavras sinal e glória nos remetem diretamente ao livro do Êxodo: “para que eu faça os meus sinais no meio dos egípcios, e para que narres ao teu filho e ao filho do teu filho como zombei dos egípcios e quantos sinais fiz no meio deles, para que saibais que eu sou Javé” (Êxodo 10, 1-2; também 7, 3). Javé manifesta a sua presença através de sua ação: ele liberta, este será o sinal que verdadeiramente Ele É (Êxodo 3, 14-15).
A Glória de Javé é a sua própria existência, o seu ser. Portanto manifestar que ele é Javé é manifestar a sua Glória, é a manifestação do seu ser e de sua ação libertadora
O sinal das bodas de Caná revela a presença de Deus em Jesus de Nazaré. Mas é somente, por enquanto, um sinal. Quando chegar a hora a Glória de Deus se manifestará plenamente: “Deus será glorificado e o seu Enviado, Jesus Cristo será também glorificado” (João 17, 1). Por isso os intérpretes do evangelho segundo João falam do livro da “Glorificação” quando se referem ao livro da Paixão, Morte e Ressurreição. “Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que EU SOU” (João 8, 28). Os discípulos souberam ler o sinal e reconheceram a presença de Deus em Jesus e “creram nele”.

1.11 Mensagem do texto: Jesus se manifesta como a presença libertadora de Deus. Ele vem para selar uma Nova e definitiva Aliança na hora da sua Glorificação, na hora do seu mistério pascal. A mãe dele nos convida a entrar neste movimento de transformação, de fazer a nossa páscoa, passagem do ritualismo e legalismo para a vida e vida em plenitude. É um apelo para nós ainda hoje nos libertar de todas as regras que nos prendem, nos aprisionam e não nos permitem viver plenamente na alegria do Espírito que liberta. “O Senhor é o Espírito, e onde se acha o Espírito do Senhor aí está a LIBERDADE” (2ª aos Coríntios 3, 17). Jesus, o Enviado do Pai, presença libertadora de Deus no meio de nós, nos leva para uma páscoa de libertação como numa festa de bodas no meio da alegria e da abundância.

No nosso próximo artigo abordaremos o segundo texto do evangelho segundo São João, apresentando a mãe de Jesus ao pé da cruz.

EIS A TUA MÃE 2

“Eis a tua mãe” (2ª parte).
No comentário anterior (“Eis a tua mãe- 1ª parte) situamos ação que vai se desenrolar numa festa de bodas em Caná da Galiléia. Vamos agora aprofundar a parte da ação propriamente dita: a transformação da água em vinho.
1.5 A mãe de Jesus nota que há uma situação delicada entre os anfitriões da festa. Ela constata: “eles não tem mais vinho”. Já tiveram, mas não tem mais. O vinho é uma bebida de festa, ele, como diz o Salmista: “regozija o coração do homem... (e da mulher também!)” (Salmo 104, 14-15). Mas o vinho é também um símbolo muito presente nas Sagradas Escrituras. Ele é o símbolo do Espírito Santo, dos tempos messiânicos e até da Palavra de Deus e de sua Sabedoria como podemos ler em livro dos Provérbios 9, 4-6.
O profeta Isaías sonha (utopia) com uma era messiânica farta. “O Senhor Javé prepara para todos os Povos, sobre esta montanha, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos finos, de carnes suculentas, de vinhos depurados” (Isaías 25, 6).
O vinho que dá Sabedoria é a Lei de Deus (sua Palavra), é a Torá pela qual ensina ao seu povo o caminho da felicidade (Deuteronômio 30, 15). Infelizmente perderam o sentido salvífico e de bem que trazia a Lei de Deus. Nós sabemos que a Lei de Deus, na época de Jesus, se tornou mero legalismo explicitado em 613 preceitos muito difíceis de praticar. Somente os Fariseus tentavam viver segundo esta regra de vida e por isso viviam separados dos outros com medo de tornarem-se impuros (não observadores de todas as regras) de lá vem o seu nome: Fariseus=Separados. A mãe de Jesus expressa na sua constatação a situação que muitos notavam. Mais adiante voltaremos a esta situação presente em outros elementos deste texto.
1.6 “O que temos a ver com isso, minha hora ainda não chegou”. Será um fim de não receber por parte de Jesus? Mas ele vai mais tarde oferecer o melhor vinho. Se o problema é falta de vinho para a festa, isso não nos compete responde Jesus. Agora o vinho, nova Lei, nova Torá, a hora dela ainda não chegou. Encontramos aqui um procedimento escriturário muito querido por João: as palavras possuem dois sentidos, um real e bem concreto e outro de nível simbólico, expressando outra realidade. Por exemplo, a água: a samaritana pensa na água do poço que todos os dias ela deve vir buscar, Jesus lhe fala de outra água que é a Palavra de Deus. Ou ainda o nascimento no qual Jesus conversa com Nicodemos, ou ainda o pão distribuído no deserto, símbolo de um pão muito mais importante, pois dá a vida plena e para sempre. Jesus não está preocupado com o vinho da festa humana, e sim com o vinho que ele vai dar pelo mistério de sua Paixão, Morte e Ressurreição, mas somente quando chegar a hora.
Esta hora é bem a hora da Glorificação como a descreve João, hora da Paixão, Morte e Ressurreição. Basta reler uns textos de João para se convencer de tal afirmação. “Antes de festa da páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste para o Pai...” (João 13, 1). “Pai chegou a hora: glorifica o teu Filho, para que teu Filho te glorifique” (João 17, 1).
1.7 “Façam tudo...” A mãe de Jesus entendeu muito bem o recado! Seu convite aos serventes da festa não é um simples convite em executar materialmente o que Jesus vai poder exigir deles. Ela os convida a entrar na economia de uma nova Aliança. De fato as palavras atribuídas á mãe de Jesus são as palavras pelas quais o Povo de Israel, ao pé do Monte Sinai, respondeu ao convite de Deus por Moisés, de selar uma aliança entre Deus e o Povo. À Moisés que em nome de Deus fez o convite para uma aliança, o Povo respondeu: “Tudo o que o Senhor Javé disse, nós o faremos” (Êxodo 19, 8).
A mãe de Jesus entendeu tão bem o significado da resposta do seu Filho, que ela mesma estará, quando chegar a hora, no pé da cruz. Mas isso fica para um aprofundamento ulterior. Num próximo artigo daremos prosseguimento á este nosso estudo de João 2, 1 a 12.