quarta-feira, 21 de julho de 2010

OLHAR a NATUREZA, as PESSOAS, a REALIDADE: DEUS está PRESENTE NELAS.

Por: Francisco Rubeaux, omi

“ Senhor que os nossos olhos se abram!” (Mateus 20, 33)

“Só se vê bem com o coração” (Pequeno Príncipe).

“O que os olhos não vêm, o coração não sente".

É uma reflexão profundamente bíblica. De fato na Bíblia, se associa ao coração os olhos. Eles refletem as intenções profundas do coração.

Poderíamos fazer toda uma pesquisa bíblica sobre os olhos e sobre o olhar. Órgão da visão, o olho reflete a vida interior da pessoa. Do olhar, da maneira de olhar, vai depender a atitude como escreve Lucas em 10, 31-33. Nosso olhar vai dirigir os nossos passos, vai comandar a nossa conduta (Lucas 11, 34-36).

1. OLHAR a NATUREZA:

“Quando vejo o céu, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste, que é um mortal, para dele te lembrares” (Salmo 8, 4).

“Os céus cantam a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Salmo 19, 2)

A Criação, como diz Santo Agostinho, é a primeira palavra que Deus pronuncia para se comunicar conosco. Infelizmente não soubemos olhar e entender. Por isso Paulo escreverá aos Romanos: “Porque o que se pode conhecer de Deus é manifesto entre eles (as pessoas humanas), pois Deus lho revelou. Sua realidade invisível, seu eterno poder e sua divindade tornaram-se inteligíveis, desde a criação do mundo através das criaturas” (Romanos 1, 19-20).

Olhar, admirar a Natureza como Palavra de Deus, é entrar em sintonia com Deus. Desrespeitar a Natureza é blasfemar contra a palavra de Deus. Contemplar a obra do Criador é amar o Criador. Jesus pedia para olhar a Natureza e a partir de lá considerar a nossa vida (Lucas 12, 24 e 27).

“Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gênesis 1, 31).

2. Olhar as pessoas.

Há um olhar muito profundo que existe de toda eternidade: o olhar mútuo do Pai e do Filho. São João no seu prólogo (João 1, 1-18) nos diz que a Palavra, o Filho unigênito, é o único a poder nos falar do Pai, pois ele está sempre voltado para o seio do Pai: Eles estão num permanente face a face, tão intenso de amor que os dois são unidos pelo Amor, o Divino Espírito Santo.

É com este mesmo olhar de amor que Deus olha a sua obra, a Criação e com um carinho especial as pessoas humanas que ele criou à sua imagem e semelhança. Ele continua a chamar para a vida como lembra o Profeta Ezequiel ao povo exilado na Babilônia: “Ao passar junto de ti, eu te vi a estrebuchar no teu próprio sangue. Vendo-te envolta em teu sangue, eu te disse: “Vive! ” (Ezequiel 16, 6).

O Salmista tem a convicção que Deus olha os humanos: “Do céu o Senhor olha todos os filhos de Adão” (Salmo 33, 13); “Quem é como o Senhor nosso Deus? Ele se eleva para sentar-se e se abaixa para olhar pelo céu e pela terra” (Salmo 113, 5-6). “Porque seus olhos acompanham o proceder de cada um e vigiam todos os seus passos” (Jô 34, 21). Assim o Senhor desceu para ver a obra dos homens: “O Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os homens tinham construído” (Gênesis 11, 5).

O olhar de Deus é puro: “Teus olhos são puros demais para ver o mal, Tu não podes contemplar a opressão” (Habacuc 1, 13). Por isso Deus não olha as aparências e sim o coração: “Deus vê não como o homem vê, porque o homem toma em consideração a aparência, mas o Senhor olha o coração” (1º Samuel 16, 7). Este olhar puro (transparente) de Deus lhe permite de enxergar o sofrimento e a aflição: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo.” (Êxodo 3, 7). É bom notar a insistência do texto: eu vi, eu vi... Ele verá também a opressão do seu povo na terra de Canaã: “Porque vi a miséria do meu povo e o seu clamor chegou até mim” (1º de Samuel 9, 16).

O olhar de Deus revela o íntimo do seu coração, seu olhar é sustentado pelo amor que tem no coração. Por isso Deus olha a cada um tal como ele é, e o ama tal como ele é.

Jesus, o Filho unigênito do pai, encarnado, terá o mesmo olhar de Deus. Ele vê e se compadece diante do enterro do filho da viúva de Naim (Lucas 7, 13). Como ele ficará comovido diante das multidões sem pastor (Marcos 6, 36). A compaixão nasce do ver: “Certo samaritano, em viagem, chegou junto dele viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele...” (Lucas 10, 33-34). Somente os puros de coração poderão ver no outro a presença de Deus: “Bem aventurados os puros de coração porque verão a Deus” (Mateus 5, 8).

Jesus terá sempre um olhar questionador, ou para chamar à atenção ou para manifestar a misericórdia (Lucas 7, 44; 22, 60-61; Marcos 10, 21; 3, 5).

Mas Jesus veio para devolver a vista aos cegos. Essa atividade era esperada como sinal dos tempos messiânicos (Isaías 35, 1-10), de lá a resposta aos enviados do Batista que queria saber se Jesus era bem o Messias esperado (Mateus 11, 4-5). Jesus foi ungido pelo Espírito Santo para “dar a recuperação da vista aos cegos” (Lucas 4, 18). Mas percebemos nos textos evangélicos que se trata mais de que uma recuperação física da vista é uma recuperação do coração que volta a enxergar a realidade e as pessoas como de fato são. É, diríamos hoje, uma conscientização. Havia, anos atrás, um ditado que dizia; “Quem não sabe é como quem não vê”. O perigo da ação de Jesus não está no fato dele devolver a vista aos cegos, mas no fato que ele, abrindo os olhos, abre também a visão para a realidade tal como ele é. Característico nisto é a cura do cego de nascença segundo o evangelista João. A cura do cego lhe permite de reconhecer em Jesus o Messias: “Crês no Filho do Homem? Quem é Senhor para eu nele creia? Tu o estás vendo, é quem fala contigo. Exclamou ele: Creio Senhor!” (João 9, 35-38) Assim foi o fim da sua cegueira. Mas tem pessoas que não querem ver e são os verdadeiros cegos: “Os fariseus perguntaram a Jesus: por acaso nós também somos cegos? Jesus respondeu: se fôsseis cegos não teríeis pecado, mas dizeis “nós vemos”, então vosso pecado permanece” (João 9, 40-41).

No Evangelho de João, o importante é o VER, mas um ver que não é físico e sim espiritual, esse ver tem o poder de conduzir a fé, ao CRER (João 2, 11 e 20, 29-31). É um ver que vem do interior da pessoa, são como raios que penetram e transmitem o bem estar aos outros. O cristão vê diferentemente dos que não tem fé, ele vê com os olhos de Deus. Pelo Batismo somos filhos e filhas de Deus. Durante muito tempo o Batismo foi chamado pelos cristãos de iluminação (Hebreus 10, 32). Assim é narrado no livro dos Atos dos Apóstolos o Batismo de Saulo de Tarso em Damasco (Atos 9, 17-19a). Exemplar também é a cura do cego de Jericó, Bartimeu. Ele quer ver. Quando ele alcança a graça de enxergar, ele pula e segue Jesus pelo caminho (Marcos 10 46-52). O fato de ver lhe permite de fazer a sua opção e de seguir Jesus. Nós somos filhos e filhas da luz, pessoas que enxergam e seguem o caminho de Deus (Efésios 5, 8-14).

3. Olhar a realidade.

O cristão, a cristã, por causa da luz interior que os dirige, vai olhar e apreciar os acontecimentos de modo diferente das outras pessoas que não compartilham da mesma fé. O olhar deles permite de olhar o que tem por trás da realidade. No antigo Israel, os Profetas eram chamados de “videntes” (1º Samuel 9, 9). São pessoas capazes de ver além da realidade presente, ou melhor, a partir dessa realidade. Não são adivinhões e sim analistas de conjuntura. Por isso eles vêem a realidade de opressão e exploração do tempo dos Reis e eles a denunciam: “Em Betel vi uma coisa horrível, ali se prostitui Efraim, contamina-se Israel” (Oséias 6, 10). Assim o profeta vê a realidade do seu país com o olhar de Deus; abandonaram a Aliança com o Senhor Javé para seguir Baal.

Da mesma forma Jesus observa e vê o que é certo: “Levantando os olhos, Jesus viu os ricos lançando ofertas no Tesouro do Templo” (Lucas 21, 1). O que pode parecer um gesto de partilhar é na realidade uma aparência; eles dão do que sobra, diferente da viúva que vai dar do seu necessário. João Batista já desmascarava a hipocrisia dos que venham receber o batismo de arrependimento sem contrição nenhuma no coração (Mateus 3, 7). Quando Jesus vê muita gente segui-lo, ele sabe o que está no coração das pessoas (João 2, 24-25). Jesus convida a olhar bem de frente a realidade: “Então Jesus disse a Simão: Vês esta mulher?” (Lucas 44). Podemos pensar que como todo bom fariseu Simão nem sequer olhava para uma mulher pecadora com mede de se tornar impuro! Jesus obriga a olhar a realidade sofrida da vida de muitas pessoas.

Os discípulos terão este olhar de misericórdia diante da situação dura de tantas pessoas. Pedro e João vão pedir ao mendigo olhar para eles: “Vendo Pedro e João entrarem no Templo, o homem pediu-lhes esmola. Pedro o encarou como também João, e disse: Olha para nós. E fitou-os, esperando receber deles alguma coisa” (Atos 3, 3-5). Quantas vezes nós desviamos o nosso olhar para não suportar cenas de sofrimento, de dor, de privação. Por isso ao terminar este pequeno percurso bíblico façamos nossa a oração de São Paulo na sua carta aos Efésios: “Que o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo ilumine os olhos do vosso coração” (Efésios 1, 18).

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