sábado, 31 de julho de 2010

Carta Compromisso do 8º Encontro de Consagradas e Consagrados a Serviço das CEBs

“Gente simples fazendo coisas pequenas em lugares pouco importantes consegue mudanças extraordinárias!”

Nós, consagrados e consagradas, leigas e leigos, padres e seminaristas, atuantes nas Comunidades Eclesiais de Base, reunidos de 27 a 29 de julho, na cidade de São Paulo, especificamente na Favela de Vila Prudente, animados pela fé, iluminados pelo tema CEBs: Profecia e Missão Urbana, abrimos nossos corações para refletir e aprofundar nossa atuação profética e missionária no meio de nosso povo. No desejo de servir, engajando-nos na dimensão de uma pastoral transformadora, observamos o apelo histórico de Deus a que o Evangelho de Cristo permaneça sinal e anúncio no meio dos pobres e excluídos.

Nosso encontro, em meio dos irmãos e irmãs favelados, envolveu-nos da mística cristã do amor pelos pequenos e fracos. Num mosaico de realidades humanas desafiadoras, onde o serviço se dá por meio de tantos sinais e dons particulares postos em favor do bem e da paz, observamos a riqueza da diversidade. Constatamos, assim, o jeito de Deus passar na Igreja e na América Latina e, assim sendo, nossa Igreja é convidada a redescobrir o dinamismo transformador da tenda, isto é, do modo como o Deus itinerante do Êxodo vai ao encontro das pessoas, não permanecendo imóvel, esperando por elas. Em meio ao povo, vivendo seu cotidiano, reforçamos a convicção de que quanto mais se fecham as estruturas, mais necessário se torna que caminhemos.

Juntamos o saber teórico e prático neste encontro, recusando-nos a dormir como o profeta Jonas, que permaneceu acomodado ao estabelecido, procurando ser alheio à realidade. No desejo de viver pelas atitudes o que pronunciamos por palavras, além dos momentos de aprofundamento em relação a esta realidade, fomos conduzidos a nos defrontar com ela por meio de visitas às famílias, às organizações populares e ainda celebramos a vida com as cinco comunidades presentes na Favela.

Por intermédio da assessoria do Padre Tarcisio Marques Mesquita, coordenador de pastoral da Região Episcopal Belém, fomos envolvidos num clima de reflexão sobre nossa atuação, recordando-nos que o Cristo Senhor atuava numa linha de sempre revitalizar o ser humano, dignificando-o, incluindo-o, a fim de que se tornasse protagonista de sua libertação. Aprofundamos que a nossa vida é um constante renovar, um partir contínuo que exige despojamento e disposição para nos rever e melhor servir. Observamos que o formalismo religioso, o apego à frieza de leis e normas leva-nos ao empobrecimento de nossa capacidade de pensar e agir; por isso, devemos aprender da prática de Jesus que sempre colocou o ser humano acima de qualquer lei, privilegiando em tudo a vida.

Destacamos, de modo particular, a presença de Dona Lili, uma das primeiras lideranças da Favela de Vila prudente; com sua simplicidade e sabedoria, incitou nosso espírito a se revigorar na linha do serviço generoso e gratuito, parte integrante do testemunho cristão.

Fundamentados e revigorados pelo aprofundamento destes dias, comprometemo-nos a estar atentos aos desafios que aqui constatamos, bem como no avanço da atuação em vista de responder a tais desafios, a saber: constituir e estimular novas lideranças, ir ao encontro dos jovens, lutar contra a violência familiar em especial contra a mulher, contra o narcotráfico, acentuar e estimular a presença da mulher na Igreja, fortalecer a leitura bíblica em consonância com a realidade, marcada pela globalização, neo-liberalismo e individualismo.

Nossas perspectivas não podem ser jamais menores que nossos próprios desafios. Por isso, propomo-nos a ir ao encontro das famílias, aprofundar a espiritualidade da simplicidade de vida, mantendo-nos em comunhão de corações, ideais e serviço, propiciando em tudo o protagonismo do Povo de Deus.

Gratos a tanta gente que nos auxiliou na realização deste encontro, sobretudo aos irmãos e irmãs da Favela de Vila Prudente, invocamos a luz e a força do Espírito Santo para que nos acompanhe no decorrer de nossas vidas a fim de que nossos bons propósitos, aqui expressos, se transformem em gestos concretos a serviço de um mundo justo e mais humano.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

OLHAR a NATUREZA, as PESSOAS, a REALIDADE: DEUS está PRESENTE NELAS.

Por: Francisco Rubeaux, omi

“ Senhor que os nossos olhos se abram!” (Mateus 20, 33)

“Só se vê bem com o coração” (Pequeno Príncipe).

“O que os olhos não vêm, o coração não sente".

É uma reflexão profundamente bíblica. De fato na Bíblia, se associa ao coração os olhos. Eles refletem as intenções profundas do coração.

Poderíamos fazer toda uma pesquisa bíblica sobre os olhos e sobre o olhar. Órgão da visão, o olho reflete a vida interior da pessoa. Do olhar, da maneira de olhar, vai depender a atitude como escreve Lucas em 10, 31-33. Nosso olhar vai dirigir os nossos passos, vai comandar a nossa conduta (Lucas 11, 34-36).

1. OLHAR a NATUREZA:

“Quando vejo o céu, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste, que é um mortal, para dele te lembrares” (Salmo 8, 4).

“Os céus cantam a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Salmo 19, 2)

A Criação, como diz Santo Agostinho, é a primeira palavra que Deus pronuncia para se comunicar conosco. Infelizmente não soubemos olhar e entender. Por isso Paulo escreverá aos Romanos: “Porque o que se pode conhecer de Deus é manifesto entre eles (as pessoas humanas), pois Deus lho revelou. Sua realidade invisível, seu eterno poder e sua divindade tornaram-se inteligíveis, desde a criação do mundo através das criaturas” (Romanos 1, 19-20).

Olhar, admirar a Natureza como Palavra de Deus, é entrar em sintonia com Deus. Desrespeitar a Natureza é blasfemar contra a palavra de Deus. Contemplar a obra do Criador é amar o Criador. Jesus pedia para olhar a Natureza e a partir de lá considerar a nossa vida (Lucas 12, 24 e 27).

“Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gênesis 1, 31).

2. Olhar as pessoas.

Há um olhar muito profundo que existe de toda eternidade: o olhar mútuo do Pai e do Filho. São João no seu prólogo (João 1, 1-18) nos diz que a Palavra, o Filho unigênito, é o único a poder nos falar do Pai, pois ele está sempre voltado para o seio do Pai: Eles estão num permanente face a face, tão intenso de amor que os dois são unidos pelo Amor, o Divino Espírito Santo.

É com este mesmo olhar de amor que Deus olha a sua obra, a Criação e com um carinho especial as pessoas humanas que ele criou à sua imagem e semelhança. Ele continua a chamar para a vida como lembra o Profeta Ezequiel ao povo exilado na Babilônia: “Ao passar junto de ti, eu te vi a estrebuchar no teu próprio sangue. Vendo-te envolta em teu sangue, eu te disse: “Vive! ” (Ezequiel 16, 6).

O Salmista tem a convicção que Deus olha os humanos: “Do céu o Senhor olha todos os filhos de Adão” (Salmo 33, 13); “Quem é como o Senhor nosso Deus? Ele se eleva para sentar-se e se abaixa para olhar pelo céu e pela terra” (Salmo 113, 5-6). “Porque seus olhos acompanham o proceder de cada um e vigiam todos os seus passos” (Jô 34, 21). Assim o Senhor desceu para ver a obra dos homens: “O Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os homens tinham construído” (Gênesis 11, 5).

O olhar de Deus é puro: “Teus olhos são puros demais para ver o mal, Tu não podes contemplar a opressão” (Habacuc 1, 13). Por isso Deus não olha as aparências e sim o coração: “Deus vê não como o homem vê, porque o homem toma em consideração a aparência, mas o Senhor olha o coração” (1º Samuel 16, 7). Este olhar puro (transparente) de Deus lhe permite de enxergar o sofrimento e a aflição: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo.” (Êxodo 3, 7). É bom notar a insistência do texto: eu vi, eu vi... Ele verá também a opressão do seu povo na terra de Canaã: “Porque vi a miséria do meu povo e o seu clamor chegou até mim” (1º de Samuel 9, 16).

O olhar de Deus revela o íntimo do seu coração, seu olhar é sustentado pelo amor que tem no coração. Por isso Deus olha a cada um tal como ele é, e o ama tal como ele é.

Jesus, o Filho unigênito do pai, encarnado, terá o mesmo olhar de Deus. Ele vê e se compadece diante do enterro do filho da viúva de Naim (Lucas 7, 13). Como ele ficará comovido diante das multidões sem pastor (Marcos 6, 36). A compaixão nasce do ver: “Certo samaritano, em viagem, chegou junto dele viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele...” (Lucas 10, 33-34). Somente os puros de coração poderão ver no outro a presença de Deus: “Bem aventurados os puros de coração porque verão a Deus” (Mateus 5, 8).

Jesus terá sempre um olhar questionador, ou para chamar à atenção ou para manifestar a misericórdia (Lucas 7, 44; 22, 60-61; Marcos 10, 21; 3, 5).

Mas Jesus veio para devolver a vista aos cegos. Essa atividade era esperada como sinal dos tempos messiânicos (Isaías 35, 1-10), de lá a resposta aos enviados do Batista que queria saber se Jesus era bem o Messias esperado (Mateus 11, 4-5). Jesus foi ungido pelo Espírito Santo para “dar a recuperação da vista aos cegos” (Lucas 4, 18). Mas percebemos nos textos evangélicos que se trata mais de que uma recuperação física da vista é uma recuperação do coração que volta a enxergar a realidade e as pessoas como de fato são. É, diríamos hoje, uma conscientização. Havia, anos atrás, um ditado que dizia; “Quem não sabe é como quem não vê”. O perigo da ação de Jesus não está no fato dele devolver a vista aos cegos, mas no fato que ele, abrindo os olhos, abre também a visão para a realidade tal como ele é. Característico nisto é a cura do cego de nascença segundo o evangelista João. A cura do cego lhe permite de reconhecer em Jesus o Messias: “Crês no Filho do Homem? Quem é Senhor para eu nele creia? Tu o estás vendo, é quem fala contigo. Exclamou ele: Creio Senhor!” (João 9, 35-38) Assim foi o fim da sua cegueira. Mas tem pessoas que não querem ver e são os verdadeiros cegos: “Os fariseus perguntaram a Jesus: por acaso nós também somos cegos? Jesus respondeu: se fôsseis cegos não teríeis pecado, mas dizeis “nós vemos”, então vosso pecado permanece” (João 9, 40-41).

No Evangelho de João, o importante é o VER, mas um ver que não é físico e sim espiritual, esse ver tem o poder de conduzir a fé, ao CRER (João 2, 11 e 20, 29-31). É um ver que vem do interior da pessoa, são como raios que penetram e transmitem o bem estar aos outros. O cristão vê diferentemente dos que não tem fé, ele vê com os olhos de Deus. Pelo Batismo somos filhos e filhas de Deus. Durante muito tempo o Batismo foi chamado pelos cristãos de iluminação (Hebreus 10, 32). Assim é narrado no livro dos Atos dos Apóstolos o Batismo de Saulo de Tarso em Damasco (Atos 9, 17-19a). Exemplar também é a cura do cego de Jericó, Bartimeu. Ele quer ver. Quando ele alcança a graça de enxergar, ele pula e segue Jesus pelo caminho (Marcos 10 46-52). O fato de ver lhe permite de fazer a sua opção e de seguir Jesus. Nós somos filhos e filhas da luz, pessoas que enxergam e seguem o caminho de Deus (Efésios 5, 8-14).

3. Olhar a realidade.

O cristão, a cristã, por causa da luz interior que os dirige, vai olhar e apreciar os acontecimentos de modo diferente das outras pessoas que não compartilham da mesma fé. O olhar deles permite de olhar o que tem por trás da realidade. No antigo Israel, os Profetas eram chamados de “videntes” (1º Samuel 9, 9). São pessoas capazes de ver além da realidade presente, ou melhor, a partir dessa realidade. Não são adivinhões e sim analistas de conjuntura. Por isso eles vêem a realidade de opressão e exploração do tempo dos Reis e eles a denunciam: “Em Betel vi uma coisa horrível, ali se prostitui Efraim, contamina-se Israel” (Oséias 6, 10). Assim o profeta vê a realidade do seu país com o olhar de Deus; abandonaram a Aliança com o Senhor Javé para seguir Baal.

Da mesma forma Jesus observa e vê o que é certo: “Levantando os olhos, Jesus viu os ricos lançando ofertas no Tesouro do Templo” (Lucas 21, 1). O que pode parecer um gesto de partilhar é na realidade uma aparência; eles dão do que sobra, diferente da viúva que vai dar do seu necessário. João Batista já desmascarava a hipocrisia dos que venham receber o batismo de arrependimento sem contrição nenhuma no coração (Mateus 3, 7). Quando Jesus vê muita gente segui-lo, ele sabe o que está no coração das pessoas (João 2, 24-25). Jesus convida a olhar bem de frente a realidade: “Então Jesus disse a Simão: Vês esta mulher?” (Lucas 44). Podemos pensar que como todo bom fariseu Simão nem sequer olhava para uma mulher pecadora com mede de se tornar impuro! Jesus obriga a olhar a realidade sofrida da vida de muitas pessoas.

Os discípulos terão este olhar de misericórdia diante da situação dura de tantas pessoas. Pedro e João vão pedir ao mendigo olhar para eles: “Vendo Pedro e João entrarem no Templo, o homem pediu-lhes esmola. Pedro o encarou como também João, e disse: Olha para nós. E fitou-os, esperando receber deles alguma coisa” (Atos 3, 3-5). Quantas vezes nós desviamos o nosso olhar para não suportar cenas de sofrimento, de dor, de privação. Por isso ao terminar este pequeno percurso bíblico façamos nossa a oração de São Paulo na sua carta aos Efésios: “Que o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo ilumine os olhos do vosso coração” (Efésios 1, 18).