quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Igreja Missionária, no livro dos Atos dos Apóstolos (parte 2)

(continuação da parte 1)

4. A missão é universal, porque a comunidade é aberta a todos.

É provavelmente a característica mais visível no livro dos Atos. Já vimos o versículo 8 do capítulo primeiro, que serve até de estrutura a todo o livro. A missão recebida de Jesus pelos Apóstolos é serem testemunhas dele desde Jerusalém, passando pela Judéia e Samaria e até os confins da terra. Essa divisão geográfica permite a organização do livro em três partes:

- Atos 1 a 7: a missão em Jerusalém.

- Atos 8 a 12: a missão na Judéia e na Samaria, incluindo até a Galiléia, como podemos ler em Atos 9, 31.

- Atos 13 a 28: até os confins da terra, que é a capital do Império: Roma.

Sabemos por Romanos15, 23-24, que foi a vontade de Paulo ir até a Espanha, última terra conhecida naquela época. Sempre foi o desejo dos missionários ir o mais longe possível. Paulo escrevia aos Romanos: “Não tendo mais campo para meu trabalho nestas regiões, e desejando há muitos anos chegar até vós irei quando eu for apara a Espanha". (Romanos 15, 23).

A Igreja nasce universal (=Católica). Basta reler a narração do evento de Pentecostes: “Achavam-se em Jerusalém, homens piedosos de todas as nações que há debaixo do céu: Partos, Medos e Elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia e Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia limítrofe de Cirene, Romanos adventícios, Judeus e prosélitos, cretenses e árabes.” (Atos 2, 5 e 9-10). Mas a expansão da Palavra não é somente geográfica, de fato, o anúncio da Boa Nova vai penetrando todos os diversos grupos religiosos da época:

  • após o anúncio aso Judeus, a Boa Nova, graças a Filipe, um dos Sete, chega até os Samaritanos (Atos 8, 5). Sabemos que os Samaritanos não eram bem quistos pelos Judeus, mas a Boa Nova é para eles também (Jesus não tinha iniciado essa missão com a Samaritana?).
  • após os Samaritanos a Boa Nova chega também aos Tementes a Deus (pagãos simpatizantes de fé israelita, mas que não aceitam a circuncisão é o caso de Cornélio em Atos 10 1-2 e 24-48).
  • o eunuco, pertencia a um grupo marginalizado pela religião judia, de fato o seu estado físico não lhe permitindo ser circuncidado ele era excluído da comunidade de Israel. Com a pregação de Filipe, ele se converte e é acolhido na nova comunidade, novo Povo de Deus, pelo batismo
  • por fim são os pagãos que recebem a Boa Nova: “Aqueles que haviam sido dispersos devido à tribulação sobrevinda por causa de Estêvão avançaram até a Fenícia, Chipre e Antioquia, a pregavam a Palavra apenas aos Judeus. Havia, contudo, entre eles alguns cipriotas e cireneus que, vindos a Antioquia, dirigiram-se também aos gregos, anunciando-lhes a Boa Nova do Senhor Jesus. (Atoa 11, 19-20). Lucas vai dar ênfase a essa nova situação a partir da pregação de Paulo e Barnabé em Antioquia da Pisídia: “ Cheios de coragem, Paulo e Barnabé declararam: era primeiro a vós (Judeus) que devíamos anunciar a Palavra de Deus. Como a rejeitais, e não vos julgais dignos da vida eterna, nós nos voltamos para os pagãos.” (Atos 13, 46).

A Palavra anunciando a ressurreição de Cristo anuncia também que um novo mundo é possível. É possível se organizar socialmente a partir de novas relações econômicas, sociais, políticas e religiosas. Assim a missão não é somente anunciar, testemunhar é também construir um mundo novo, que Jesus chamava de Reino de Deus, e que podemos chamar também de novo céu e nova terra, nova sociedade...

O livro dos Atos nos mostra a transformação social operada pela Palavra nas pessoas e no seu modo de viver:

  • Economicamente os discípulos passam a viver a partilha: “Eles se mostravam assíduos à comunhão fraterna, à fração do pão... todos os fiéis, unidos, tinham tudo em comum... partiam o pão pelas casas.” (Atos 2, 42-47). Existe também entre as comunidades uma solidariedade nas necessidades da vida: “Os discípulos decidiram então enviar, cada um conforme as suas posses, auxílios aos irmãos que moravam na Judéia. Assim fizeram, enviando-os aos anciãos por mãos de Barnabé e Saulo.” (Atos 11, 19-20).
  • Socialmente os discípulos vivem como irmãos e irmãs. São laços fraternos que os unem numa mesma comunidade, que por isso é chamada COMUNHÃO. Por isso não tem mais distinção de raça, de cor ou de religião e nem de sexo: todos e todas são iguais e vivem a mesma responsabilidade da missão.
  • Politicamente, ou seja, na maneira de se organizar, a liderança é serviço. Nem os Apóstolos se exaltam ou procuram serem maiores do que os outros porque viram o Senhor. “No momento em que Pedro chegou, Cornélio veio ao seu encontro e, caindo-lhe aos pés, prostrou-se. Pedro, porém, o reergueu dizendo: levanta-te. Eu também sou apenas um homem.” (Atos 10, 25-26).
  • Religiosamente é claro que uma nova relação estabeleceu-se entre Deus e a Humanidade, pois pelo Espírito de Jesus todos e todas são filhos e filhas de Deus. A Boa Nova questiona também as formas religiosas da época: “Não somente em Éfeso, mas em toda a Ásia, este Paulo, com suas persuasões, arrastou uma multidão considerável, afirmando não serem deuses os que saem das mãos dos homens. Isto não só pode lançar o descrédito sobre nossa profissão, mas ainda fazer reputar por nada o santuário da grande deusa Artêmis.” (Atos 19, 23-40).

Assim podemos concluir que no livro dos Atos dos Apóstolos, a missão é uma tarefa específica da comunidade-Igreja. Ninguém pode se desinteressar pelo avanço da Boa Nova, tanto geograficamente como socialmente, nas diversas camadas populacionais e nos diversos setores da vida em sociedade. A Palavra é envolvente.

Os primeiros discípulos têm viva essa consciência, e não delegam a outros esse trabalho missionário. Todos se sentem responsáveis. Além de Pedro ou Paulo, conhecemos também Barnabé, Estêvão, Filipe, Timóteo, Silas, mas também Lídia, Dorcas. Sabemos da existência de uma comunidade cristã em Roma, desde cedo, mas ninguém até hoje sabe com precisão quem foi ou quem foram os evangelizadores da capital do Império. O próprio Paulo ao escrever a essa comunidade de Roma, lembra bom número de evangelizadores, homens e mulheres: “Recomendo-vos Febe, nossa irmã, diaconisa da Igreja de Cencréia, saudai Prisca e Áquila meus colaboradores em Cristo Jesus... Saudai Andrônico e Júnia, meus parentes e companheiros de prisão, apóstolos exímios que me precederam na fé em Cristo.” (Romanos 16, 1-16).

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Igreja Missionária, no livro dos Atos dos Apóstolos (parte 1)

Por: Francisco Rubeaux, omi

A missão de Jesus continua: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio.” (João 20, 21). Lucas nos conta que Jesus Ressuscitado ficou ainda quarenta dias junto aos seus discípulos, preparando-os para a missão: “A eles mostrou-se vivo após a paixão com numerosas e indiscutíveis provas; apareceu-lhes por espaço de quarenta dias, falando-lhes do reino de Deus... O Espírito Santo descerá sobre vós e dele recebereis a força. Serão, então, minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, a até os confins da terra.” (Atos 1, 8). Podemos constatar que a missão de Jesus continua pela ação dos Apóstolos. A Igreja que se reuni na fé no Senhor Jesus Cristo é por natureza missionária. Vamos ver como os primeiros cristãos tiveram consciência dessa dimensão no seu seguimento a Jesus.

Para melhor entender a missão como responsabilidade da Igreja, no livro dos Atos, vamos reler e tomar como referência o texto de Atos 13, 1-5. “Havia na Igreja de Antioquia, profetas e doutores: Barnabé, Simeão apelidado de Níger, Lúcio de Cirene, e ainda Manaem, amigo de infância do tetrarca Herodes, e Saulo. Certo dia, enquanto celebravam o culto do Senhor e jejuavam, disse o Espírito Santo: separai-me Barnabé e Saulo para a obra a que os destinei. Então, depois de terem jejuado e orado, lhes impuseram as mãos e despediram-nos. Enviados, pois, pelo Espírito S, desceram eles a Seleûcia, e dali navegaram, para Chipre. Havendo chegado a Salamina, puseram-se a anunciar a Palavra de Deus nas sinagogas dos judeus. Tinham consigo, como auxiliar João.”

1. A missão é do Espírito Santo.

No passado, o livro dos Atos era chamado de “Evangelho do Espírito Santo.” Se fizermos uma pesquisa dos nomes de pessoas mais citadas no livro dos Atos, vamos descobrir que não é o nome de Pedro, nem de Paulo e sim do Espírito Santo. É Ele que está na origem da missão. Isso nos é contado na narração de Pentecostes: “Apareceram umas como línguas de fogo, que se distribuíram e foram pousar sobre cada um deles... Achavam-se então em Jerusalém homens piedosos de todas as nações que há debaixo do céu. Ao se produzir o ruído, a multidão se reuniu e estava confusa: pois cada qual os ouvia falar em sua própria língua. Estupefatos e surpresos diziam: não são todos Galileus esses que falam? Como é, pois, que cada um de nós os ouve em sua própria língua materna?” (Atos 2, 3 e 58).
O Espírito Santo dá coragem para a missão: “Enquanto oravam, tremeu o lugar onde se achavam reunidos; todos ficaram repletos do Espírito Santo e puseram-se a anunciar a Palavra de Deus com firmeza” (Atos 4, 31).
O Espírito Santo orienta a missão: “Ainda estava Pedro meditando sobre a visão, quando o Espírito lhe disse: eis que aí estão alguns homens à tua procura. Levanta-te, pois, e desce, e vai com eles sem hesitação porque fui eu que os enviei” (Atos 10, 19-20).
Podemos ainda ler em Atos 16, 6-8: “Eles percorreram a Frigia e o território gálata; o Espírito Santo os havia impedido de anunciar a Palavra na Ásia. Chegando aos confins da Mísia, tentaram penetrar na Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu. Atravessaram então a Mísia e desceram a Trôade.”
O Espírito Santo é o animador da Igreja.

2. A missão é comunitária, toda a comunidade está engajada na missão.

É no seio de uma comunidade em oração que o Espírito convoca para a missão. A comunidade está atenta à ação do Espírito: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas” (Apocalipse 2, 7).
Em sinal de participação à missão dos dois, a comunidade toda vai impor as mãos. Esse gesto é um gesto de solidariedade e de delegação para uma tarefa. Assim a comunidade tem consciência que a missão é de todos, e os dois vão em nome de toda a comunidade. Eles não são francos atiradores. Não vão para satisfazer sua vontade própria, vão mandados pelo Espírito e pela comunidade que foi atenta aos apelos do Espírito. É por isso que, ao terminar cada viagem missionária, os enviados vão voltar para a comunidade e contar tudo o que aconteceu: “Ao chegarem, reuniram a Igreja e puseram-se a referir tudo o que Deus tinha feito com eles, e como havia aberto a porta de fé aos pagãos. Permaneceram em seguida com os discípulos bastante tempo.” (Atos 14, 27-28).
Em Corinto, é de uma pequena comunidade “doméstica” que parte a evangelização da cidade: “Paulo foi para Corinto, lá encontrou um judeu chamado Áquila e sua mulher Priscila. Aliou-se a eles...” (Atos 18, 1-5).
A missão tem por objetivo formar comunidades. foi esse o resultado do trabalho missionário de Barnabé e Paulo: “Depois de ter feito orações acompanhadas de jejum, designaram anciãos em cada Igreja, e confiaram-nos ao Senhor em quem haviam acreditado”. (Atos 14, 23).
A missão parte da comunidade e volta à comunidade depois de ter suscitado novas comunidades. A missão só pode se relacionar com comunidade.

3. A missão é testemunhar e anunciar a Boa Nova: Jesus é o Cristo e está vivo.

Aos judeus os Apóstolos anunciam Jesus ressuscitado: “Saiba, portanto toda a casa de Israel, com certeza: Deus constituiu Senhor e Cristo, a esse Jesus que vós crucificastes.” (Atos 2, 36).
Assim são reconhecidos os Apóstolos em Filipos: “Esses homens são servos do Deus Altíssimo, que vos anunciam o caminho da salvação”. (Atos 16, 17).
Para apoiar a verdade do que anunciam sempre os Apóstolos afirmam: disto nós somos testemunhas (Atos 2, 32; 3, 15; 5, 32; 10, 40-42).
A nova convivência que nasce da fé no Ressuscitado torna-se também testemunho: é a fé e a prática, a fé e a vida:
“A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava seu o que possuía, mas tudo era comum entre eles.
Com muita vigor, os Apóstolos davam TESTEMUNHO DA RESSURREIÇÃO do Senhor Jesus. E todos eles tinham grande aceitação.
“Não havia entre eles indigente algum, porquanto os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o dinheiro, e o colocavam aos pés dos Apóstolos, e distribuía-se a cada um segundo a sua necessidade”. (Atos 4, 32-35).
Se alguns vão levam a Boa Nova mais adiante, toda a comunidade é responsável pela missão. A missão não depende somente do desempenho dos missionários, mas também do testemunho da comunidade. Portanto a vida da Igreja também tem uma dimensão missionária.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Pelos olhos, a pessoa inteira é construída ou regenerada.

Por: Francisco Rubeaux, omi



Jesus ensina aos discípulos como resgatar e humanizar as pessoas. No primeiro capítulo do seu livro do Evangelho, Marcos nos mostra como Jesus humaniza as pessoas, curando-as, libertando-as, perdoando-as, integrando-as. Antes de entrar na paixão, Jesus conclui a educação dos seus discípulos. Marcos narra isto de maneira muito sugestiva: ele insere estes ensinamentos entre duas curas de cegos: o cego de Betsaida (Marcos 8, 22) e o cego de Jericó (Marcos 10, 52). Em quanto caminham com Jesus, os discípulos aprendem como refazer e integrar a pessoa. As curas dos cegos são um evidente processo de humanização. Recuperando a vista, a pessoa inteira é recuperada, devolvida ao desígnio original de Deus.


O primeiro cego é de Betsaida, a cidade de André, Pedro e Filipe. Ele não tem nome nem referência de família. Será que a cegueira deste homem tem a ver com os discípulos?


O segundo cego chama-se Bartimeu, o que significa filho de Timeu. Ele é de Jericó. Ele está sentado na beira do caminho, este caminho que está levando Jesus para Jerusalém onde vai sofrer, morrer e ressuscitar.


É muito significativo que o texto que nos revela o maior empenho de Jesus para a formação dos discípulos esteja entre esses dois cegos. Parece que o cego de Betsaida representa a situação na qual estão os discípulos, enquanto que o cego de Jericó representa a situação para a qual os discípulos devem chegar.


O cego de Betsaida é trazido por outros para ser tocado e curado (Marcos 8, 22). As pessoas ajudam o cego a se aproximar de Jesus, são mediadoras. O cego é passivo, depende delas. Mas o cego de Jericó, quando tenta aproximar-se, é atrapalhado pelas pessoas que acompanham Jesus (Marcos 10, 47-48). Elas se comportam como atravessadoras. Bartimeu, porém, é ativo, insistente, protagonista da própria cura (Marcos 10, 48. 50). As pessoas que estão com o cego de Betsaida buscam o favor de Jesus para com ele. As que estão com Jesus em Jericó não se importam com o cego.


Nós temos que prestar atenção para o comportamento das pessoas que estão com Jesus por ocasião do encontro com Bartimeu, pois elas dificultam o encontro, quando deveriam facilitá-lo. É um comportamento estranho. Contrário ao desejo e ao ensino de Jesus, mas é um comportamento muito comum ainda hoje. Existem pessoas que se consideram muito próximas e íntimas de Jesus, atrapalhando a aproximação de outras, quando não excluindo ou selecionando quem pode e quem não pode fazer parte do círculo dos discípulos e das discípulas de Jesus. Parecem aproximar-se dele invertendo a ordem do Evangelho. Por isso é bom ter presente que o fato de estar com Jesus não nos dá direitos sobre ele. Somos discípulos/as dele, mas ele não é nosso.


O cego de Betsaida apresenta-se muito passivo. É levado pelos amigos, é conduzido e tratado por Jesus. Só responde ao que Jesus pergunta, e, curado, ele toma o caminho de casa. Para recuperar a vista é preciso tempo, de lá as diversas etapas da cura. Passo a passo, o cego é recriado


O cego de Jericó é altamente ativo, pergunta, grita, enfrenta a multidão, salta, joga a vete (manto ou capa) vai ao encontro de Jesus, recebe a cura e torna-se seu seguidor. A veste, que antes o acompanhava e protegia, é abandonada. Fica lá na beira da estrada, marcando o lugar da mudança. A veste continua lá, mas Bartimeu agora é homem do caminho, discípulo, seguidor de Jesus. Que significado tem a veste que o cego jogou? O que é necessário jogar, abandonar para abrir os olhos e seguir decididamente Jesus? O cego estava na beira do caminho, agora está com Jesus no caminho. É o caminho que conduz a Jerusalém, onde vai acontecer tudo o que Jesus anunciou. É um caminho perigoso, mas Bartimeu segue.


Parece que para seguir Jesus, não basta ter contato com ele, não basta que alguém nos coloque em contato com ele. É necessário um desejo e uma adesão pessoal e livre.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

OLHAR COM JESUS E COMO JESUS

Por: Francisco Rubeaux, omi

“Senhor que os nossos olhos se abram!” (Mateus 20, 33).

1. A importância do OLHAR.
“Só se vê bem com o coração” (Pequeno Príncipe).
“O que os olhos não vêm, o coração não sente”.
É uma reflexão profundamente bíblica. De fato na Bíblia, se associa ao coração os olhos. Eles refletem as intenções profundas do coração.
Poderíamos fazer toda uma pesquisa bíblica sobre os olhos e sobre o olhar. Órgão da visão, o olho reflete a vida interior da pessoa (Mateus 5, 27-29). Do olhar, da maneira de olhar, vai depender a atitude como escreve Lucas em 10, 31-33. Nosso olhar vai dirigir os nossos passos, vai comandar a nossa conduta (Lucas 11, 34-36).
“Quando vejo o céu, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste, que é um mortal, para dele te lembrares” (Salmo 8, 4).
“Os céus cantam a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Salmo 19, 2)
A Criação, como diz Santo Agostinho, é a primeira palavra que Deus pronuncia para se comunicar conosco. Infelizmente não soubemos olhar e entender. Por isso Paulo escreverá aos Romanos: “Porque o que se pode conhecer de Deus é manifesto entre eles (as pessoas humanas), pois Deus lho revelou. Sua realidade invisível, seu eterno poder e sua divindade tornaram-se inteligíveis, desde a criação do mundo através das criaturas” (Romanos 1, 19-20).
Olhar, admirar a Natureza como Palavra de Deus, é entrar em sintonia com Deus. Desrespeitar a Natureza é blasfemar contra a palavra de Deus. Contemplar a obra do Criador é amar o Criador. Jesus pedia para olhar a Natureza e a partir de lá considerar a nossa vida (Lucas 12, 24 e 27).
“Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gênesis 1, 31).
Importante também é o lugar de onde a gente enxerga. É o ponto de vista! Onde estão meus pés, pois é desta posição que eu vou enxergar. Mesmo que esteja nos céus, Deus abaixa o seu olhar para ver a realidade do mundo humano. Em Jesus de Nazaré, Deus se faz próximo de nós, ele vem ver de perto a nossa realidade. O lugar que eu ocupo vai condicionar o meu olhar e o meu julgamento.

2. O Olhar de DEUS no OLHAR de JESUS.
Há um olhar muito profundo que existe de toda eternidade: o olhar mútuo do Pai e do Filho. São João no seu prólogo (João 1, 1-18) nos diz que a Palavra, o Filho unigênito, é o único a poder nos falar do Pai, pois ele está sempre voltado para o seio do Pai: Eles estão num permanente face a face tão intenso de amor que os dois são unidos pelo Amor, o Divino Espírito Santo.
É com este mesmo olhar de amor que Deus olha a sua obra, a Criação e com um carinho especial as pessoas humanas que ele criou à sua imagem e semelhança. Ele continua a chamar para a vida como lembra o Profeta Ezequiel ao povo exilado na Babilônia: “Ao passar junto de ti, eu te vi a estrebuchar no teu próprio sangue. Vendo-te envolta em teu sangue, eu te disse: “Vive!” (Ezequiel 16, 6).
O Salmista tem a convicção que Deus olha os humanos: “Do céu o Senhor olha todos os filhos de Adão” (Salmo 33, 13); “Quem é como o Senhor nosso Deus? Ele se eleva para sentar-se e se abaixa para olhar pelo céu e pela terra” (Salmo 113, 5-6). “Porque seus olhos acompanham o proceder de cada um e vigiam todos os seus passos” (Jó 34, 21). Assim o Senhor desceu para ver a obra dos homens: “O Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os homens tinham construído” (Gênesis 11, 5).
O olhar de Deus é puro: “Teus olhos são puros demais para ver o mal, Tu não podes contemplar a opressão” (Habacuc 1, 13). Por isso Deus não olha as aparências e sim o coração: “Deus vê não como o homem vê, porque o homem toma em consideração a aparência, mas o Senhor olha o coração” (1º Samuel 16, 7). Este olhar puro (transparente) de Deus lhe permite de enxergar o sofrimento e a aflição: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo.” (Êxodo 3, 7). É bom notar a insistência do texto: eu vi, eu vi... Ele verá também a opressão do seu povo na terra de Canaã: “Porque vi a miséria do meu povo e o seu clamor chegou até mim” (1º de Samuel 9, 16).
O olhar de Deus revela o íntimo do seu coração, seu olhar é sustentado pelo amor que tem no coração. Por isso Deus olha a cada um tal como ele é, e o ama tal como ele é.
Jesus, o Filho unigênito do Pai encarnado terá o mesmo olhar de Deus. Ele vê e se compadece diante da dor da viúva de Naim (Lucas 7, 13), como ele ficará comovido diante das multidões sem pastor (Marcos 6, 36). A compaixão nasce do ver: “Certo samaritano, em viagem, chegou junto dele viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele...” (Lucas 10, 33-34). Somente os puros de coração poderão ver no outro a presença de Deus: “Bem aventurados os puros de coração porque verão a Deus” (Mateus 5, 8).
Jesus terá sempre um olhar questionador, ou para chamar à atenção ou para manifestar a misericórdia (Lucas 7, 44; 22, 60-61; Marcos 10, 21; 3, 5).
Jesus olha sempre a partir da realidade dos mais fracos, dos mais necessitados. O seu lugar social está no meio dos empobrecidos. Por isso ele enxerga os pobres. “O orgulhoso anda de cabeça erguida, por isso o seu olhar sempre altaneiro não alcança o pobre”. Como Deus (Lucas 1, 48), Jesus sempre baixa a sua vista e olha os aflitos e os oprimidos. Mesmo quando Jesus olha para cima para ver Zaqueu (Lucas 19, 5) é para lhe pedir de descer. Uma vez em baixo Zaqueu pode olhar os pobres e distribuir os seus bens entre eles.
Mas Jesus veio para devolver a vista aos cegos. Essa atividade era esperada como sinal dos tempos messiânicos (Isaías 35, 1-10), de lá a resposta aos enviados do Batista que queria saber se Jesus era bem o Messias esperado (Mateus 11, 4-5). Jesus foi ungido pelo Espírito Santo para “dar a recuperação da vista aos cegos” (Lucas 4, 18). Mas percebemos nos textos evangélicos que se trata mais de que uma recuperação física da vista é uma recuperação do coração que volta a enxergar a realidade e as pessoas como de fato são. É, diríamos hoje, uma conscientização. Havia, anos atrás, um ditado que dizia; “Quem não sabe é como quem não vê”. O perigo da ação de Jesus não está no fato dele devolver a vista aos cegos, mas no fato que ele, abrindo os olhos, abre também a visão para a realidade tal como ele é. Característica nisto é a cura do cego de nascença segundo o evangelista João (João 9). A cura do cego lhe permite de reconhecer em Jesus o Messias: “Crês no Filho do Homem? Quem é Senhor para eu nele creia? Tu o estás vendo, é quem fala contigo. Exclamou ele: Creio Senhor!” (João 9, 35-38) Assim foi o fim da sua cegueira. Mas tem pessoas que não querem ver e são os verdadeiros cegos: “Os fariseus perguntaram a Jesus: por acaso nós também somos cegos? Jesus respondeu: se fôsseis cegos não teríeis pecado, mas dizeis “nós vemos”, então vosso pecado permanece” (João 9, 40-41).
Jesus convida os apóstolos a olhar a realidade do poder político (Marcos 10, 42) como do poder religioso (Mateus 23, 1-7) com um olhar crítico. Nisto Ele é perigoso! O olhar de Jesus questiona, leva ao arrependimento: “Enquanto Pedro ainda falava, o galo cantou, e o Senhor voltando-se, fixou o olhar em Pedro . Pedro então lembrou-se...” (Lucas 22, 61-62).
No Evangelho de João, o importante é o VER, mas um ver que não é físico e sim espiritual, esse ver tem o poder de conduzir a fé, ao CRER (João 2, 11 e 20, 29-31). É do ver que nasce a fé: “Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: Vi o Senhor! e as coisas que Ele lhe disse” (João 20, 18). É um ver que vem do interior da pessoa, são como raios que penetram e transmitem o bem estar aos outros. O cristão vê diferentemente dos que não tem fé, ele vê com os olhos de Deus. Pelo Batismo somos filhos e filhas de Deus. Durante muito tempo o Batismo foi chamado pelos cristãos de iluminação (Hebreus 10, 32). Assim é narrado no livro dos Atos dos Apóstolos o Batismo de Saulo de Tarso em Damasco (Atos 9, 17-19a). Exemplar também é a cura do cego de Jericó, Bartimeu. Ele quer ver. Quando ele alcança a graça de enxergar, ele pula e segue Jesus pelo caminho (Marcos 10 46-52). O fato de ver lhe permite de fazer a sua opção e de seguir Jesus. Nós somos filhos e filhas da luz, pessoas que enxergam e seguem o caminho de Deus (Efésios 5, 8-14).
Vamos reler o capítulo 9 do Evangelho segundo São João. Vamos notar quantas vezes volta a expressão “abrir os olhos”. O que sugere para nós o fato de neste capítulo o ver (a luz) esta em relação com a água? Podemos reler os seguintes textos: Efésios 5, 8-16; Hebreus 10,32. O Batismo é o sinal da visão (Atos 9, 17-19). Como vivemos este sacramento? Qual é a nossa visão da realidade? Não podemos esquecer que não há sacramento de vida religiosa consagrada, mas o sacramento é o Batismo. Que valor eu dou ao meu batismo, como vivo os compromissos batismais que tive tantas vezes oportunidade de renovar?

3. Olhar COMO JESUS e COM ELE.
O cristão, a cristã, por causa da luz interior que os dirige, vai olhar e apreciar os acontecimentos de modo diferente das outras pessoas que não compartilham da mesma fé. O olhar deles permite de olhar o que tem por trás da realidade. No antigo Israel, os Profetas eram chamados de “videntes” (1º Samuel 9, 9). São pessoas capazes de ver além da realidade presente, ou melhor, a partir dessa realidade. Não são adivinhões e sim analistas de conjuntura. Por isso eles vêem a realidade de opressão e exploração do tempo dos Reis e eles a denunciam: “Em Betel vi uma coisa horrível, ali se prostitui Efraim, contamina-se Israel” (Oséias 6, 10). Assim o profeta vê a realidade do seu país com o olhar de Deus: “eles abandonaram a Aliança com o Senhor Javé para seguir Baal”.
Da mesma forma Jesus observa e vê o que está certo e errado: “Levantando os olhos, Jesus viu os ricos lançando ofertas no Tesouro do Templo” (Lucas 21, 1). O que pode parecer um gesto de partilha é na realidade uma aparência; os ricos dão do que lhes sobra, diferente da viúva que dá do seu necessário. João Batista já desmascarava a hipocrisia dos que venham receber o batismo de arrependimento sem contrição nenhuma no coração (Mateus 3, 7). Quando Jesus vê muita gente segui-lo, ele sabe o que está no coração das pessoas (João 2, 24-25). Jesus convida a olhar bem de frente a realidade: “Então Jesus disse a Simão: Vês esta mulher?” (Lucas 44). Podemos pensar que como todo bom fariseu Simão nem sequer olhava para uma mulher pecadora com mede de se tornar impuro! Jesus obriga a olhar a realidade sofrida da vida de muitas pessoas.
Os discípulos terão este olhar de misericórdia diante da situação dura de tantas pessoas. Pedro e João vão pedir ao mendigo olhar para eles: “Vendo Pedro e João entrarem no Templo, o homem pediu-lhes esmola. Pedro o encarou como também João, e disse: Olha para nós. E fitou-os, esperando receber deles alguma coisa” (Atos 3, 3-5). Quantas vezes nós desviamos o nosso olhar por não suportar cenas de sofrimento, de dor, de privação e não ter que se envolver. Por isso ao terminar este pequeno percurso bíblico façamos nossa a oração de São Paulo na sua carta aos Efésios: “Que o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo ilumine os olhos do vosso coração” (Efésios 1, 18).

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Bíblia: Revelação de Deus

Por: Francisco Rubeaux, omi

Todos os livros reunidos na Bíblia nos narram experiências de vida, pelas quais pessoas humanas, iguais a nós, reconheceram a presença de Deus, descobriram um pouco do seu rosto, afinal chegaram a conhecer quem é Deus e como age em nosso favor. Para guardar memória dessa revelação deram um nome a Deus. Por isso, ao longo da Bíblia, encontramos tantos nomes dados a Deus, para dizer quem Ele é e quem Ele é para nós.

Vamos percorrer alguns livros da Bíblia para nós também contemplar esse rosto de Deus, e, quem sabe, acrescentar outros nomes, a partir das nossas próprias experiências.

1. Abraão, nosso pai na fé, descobre que Deus não é distante e terrível, mas ao contrário, quer fazer aliança com a humanidade: “eu farei de você um grande povo e o abençoarei, tornarei famoso o seu nome, de modo que se torne uma bênção. Abençoarei os que abençoarem você e amaldiçoarei aqueles que o amaldiçoarem. Em você, todas as famílias da terra serão abençoadas”. (Gênesis 12, 2-3). Deus é o Deus da aliança, um Deus que quer unir-se à vida e às andanças dos homens. Deus caminha com a gente. É PRÓXIMO.

2. Deus próximo, também o experimenta Moisés. Na sarça ardente, Deus se revela como aquele que desce: “Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios, e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel”. (Êxodo 3, 7-8). Deus mesmo se dará o nome de JAVÉ, isto é, Deus presente, Deus atuante. “Esse é meu nome para sempre e assim eu serei lembrado de geração em geração”. (Êxodo 3, 15).

3. Deus vem para libertar, salvar o seu povo da opressão. Ele é REDENTOR: “Não tenha medo, vermizinho, Jacó, bichinho Israel. Eu mesmo o ajudarei, palavra do Senhor. O seu Redentor é o Santo de Israel”. (Isaías 41, 14).

4. O Redentor é o mesmo que o CRIADOR: “Assim diz Javé, o Santo de Israel, aquele que o formou. Eu fiz a terra e criei nela o homem. Minhas mãos estenderam os céus e dei ordens para todo o exército dos astros”. (Isaías 45, 11-12).

5. Deus cuida de nós como um PAI ou uma MÃE: “Quando Israel era menino, eu o amei. Do Egito chamei o meu filho. Fui eu que ensinei Efraim a andar, segurando-o pela mão. Eu os atraí com laços de bondade, com cordas de amor. Fazia com eles como quem levanta até seu rosto uma criança; para dar-lhes de comer, eu me abaixava até eles. O meu coração solta em meu peito, as minhas entranhas se comovem dentro de mim. Eu sou Deus, e não um homem. Eu sou o Santo no meio de você”.(Oséias 11, 1-4 e 9).

6. Deus é AMOR e FIDELIDADE: “Javé passou diante de Moisés, proclamando: Javé, Javé! Deus de compaixão e piedade, lento para a cólera e cheio de amor e fidelidade. Ele conserva o seu amor por milhares de gerações”. (Êxodo 34, 6-7). Para falar de Deus, muitas vezes os profetas usaram essas palavras “Deus de amor e fidelidade” No novo Testamento João escrevera “cheio de graça e verdade”.(João 1, 14).

7. Esse Deus de bondade e de misericórdia é o ÚNICO Deus: “Eu sou Javé, e fora de mim não existe salvador. Eu sou Deus e o sou para sempre. Não há quem possa livrar-se de minha mão”(Isaías 43, 11-13).

8. Deus FILHO nos revela o PAI: “Quem me viu, viu o Pai. Você não acredita que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que eu digo a vocês, não as digo por mim mesmo, mas o Pai que permanece em mim, ele é que realiza as suas obras. Acreditem em mim: eu estou no Pai e o Pai está em mim”. (João 14, 9-11).

9. Deus é ESPÍRITO SANTO: “O Senhor é o Espírito; e onde se acha o Espírito do Senhor aí existe a liberdade”. (2ª Coríntios 3, 17).

10. Concluindo todo esse percurso histórico, João vai resumir quem é Deus numa palavra só: “Nós reconhecemos o amor que Deus tem por nós e acreditamos nesse amor. DEUS É AMOR; quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nele”. (1ª João 4, 16).

Se nós vivermos o amor uns para com os outros, é a vida de Deus que está em nós, é Deus mesmo que permanece em nós, ele vive em nós, nos tornemos sua morada: “Se alguém em ama, guarda a minha palavra, e meu Pai o amará. Eu e meu Pai viremos e faremos nele a nossa morada”. (João 14, 23).

A fé é a certeza que temos que Deus nos ama, que por isso Ele está sempre conosco, ao nosso lado, dentro de nós, Ele é o “Deus conosco” e essa certeza nos leva a afirmar que a vida plena, a vida segundo Deus é estar junto com Ele: “Essa é a tenda de Deus com os homens. Ele vai morar com eles. Eles serão o seu Povo, e Ele, o Deus-com-eles, será o seu Deus. O vencedor receberá esta herança: eu serei o Deus dele, e ele será o meu filho”. (Apocalipse 21, 3 e 7).

“Escuta, Povo de Deus, Javé nosso Deus é o único Javé. Portanto ame a Javé seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com toda a sua força” (Deuteronômio 6, 4-5).

“Bendiga a Javé, ó minha alma, e não esqueça nenhum dos seus benefícios.
Ele perdoa suas culpas todas, e cura todos os seus males.
Ele redime da cova a sua vida, e a coroa de amor e compaixão.
Ele sacia seus anos de bens. Javé faz justiça e defende todos os oprimidos.
Javé é compaixão e piedade, lento para a cólera e cheio de amor.
Como um pai é compassivo com seus filhos,
Javé é compassivo com aqueles que o temem.
Porque ele conhece a nossa estrutura, ele se lembra do pó que somos nós.

(Salmo 103)